Como a depressão afeta o funcionamento do cérebro

Numa perspetiva evolutiva e neurobiológica, as emoções básicas, como a tristeza, o nojo, a raiva, o medo, a ira e a alegria, respondem à necessidade de se agir rapidamente perante os desafios e os perigos do meio ambiente, o que nos leva a olhar para a sua função adaptativa e protetora face à sobrevivência. Além disso, as emoções conduzem a um estado emocional em que a sua experiência mental é o que se designa por sentimento. Assim, as emoções fornecem um alerta mental para o significado da situação que desencadeou a emoção e para os pensamentos consequentes (Damásio, 2004). Isto facilita a aprendizagem das situações responsáveis pelos desequilíbrios homeostáticos e dos ajustamentos necessários (Damásio & Carvalho 2013), assim como permite a antecipação de condições futuras que sejam adversas ou favoráveis, levando-nos a evitar riscos e a aproveitar oportunidades. O que significa que os sentimentos nos permitem um nível adicional na regulação do comportamento (Damásio, 2004; Damásio & Carvalho 2013).

Neste sentido, a tristeza enquanto emoção é uma resposta imediata, transitória, que responde à situação do momento e está associada a um conjunto de respostas desencadeadas de partes do cérebro para outras partes do corpo e de umas zonas para outras no cérebro, sendo o resultado final deste conjunto de respostas o estado emocional de tristeza, definido pelas alterações no corpo e em certas zonas do cérebro (Damásio, 1998; 2004). Estado de tristeza este que, segundo Ekman (2022), pode conter desde uma ligeira deceção até angústia ou desespero. Por outro lado, o sentimento de tristeza é mais duradouro e corresponde à nossa experiência mental do estado emocional associado à emoção de tristeza. Assim, pode-se dizer que, em si mesmo, o sentimento de tristeza é positivo e necessário ao equilíbrio emocional e psicológico, pois é na elaboração do sentimento de tristeza que refletimos sobre nós e as situações, avaliamos melhor os nossos recursos, que percebemos melhor o valor e o significado das coisas e das situações que desencadearam a tristeza e que procuramos soluções; o que nos permite evitar erros passados e abre-nos caminho para de forma mais esclarecida fazermos escolhas que nos dão alegria e nos fazem sentir felizes, ajudando-nos a planear melhor o futuro. No fundo, pode-se dizer que é uma resposta que nos permite lidar melhor com as situações adversas conduzindo-nos a uma elaboração, organização e integração saudável das situações causadoras de tristeza, ajudando a redimensionar a nossa realidade e a regular o nosso comportamento face à situação presente, mas também a situações futuras, assim como sinaliza-nos a necessidade de precisarmos de ajuda e/ou de sermos confortados.

Todavia, a tristeza acarreta dor e nem sempre este processamento cognitivo que nos permite elaborar, organizar e integrar a situação desencadeadora do estado emocional de tristeza (e.g., experiências traumáticas, perda de pessoas queridas e/ou de animais de estimação, desemprego, perda de saúde, mudança de país, etc.) segue contornos de redimensionamento e valorização positivos, ajustados e equilibrados, o que nos leva a inclinar o nosso foco atencional privilegiando os aspetos negativos, de onde resulta uma perceção desajustada da realidade e, por sua vez, enviesamentos cognitivos, acrescendo a evocação de experiências anteriores congruentes com a perceção e interpretação do momento, o que reforça a resposta desajustada em intensidade e durabilidade, construindo um padrão. Padrão esse, que em situações futuras, será ativado mais rapidamente. O que não é estranho, pois se virmos que todas as nossas perceções, atribuições de significado, emoções, sentimentos, pensamentos são tudo estímulos que, face à intensidade, repetição e durabilidade hiperativam áreas e circuitos cerebrais (assim como, hipoativam áreas e circuitos, nomeadamente, os envolvidos no processo em sentido baseline), modulam redes neuronais, modulam equilíbrios neuroquímicos, neuroendócrinos e neuroimunitários que, por seu turno, suportam os padrões de comportamento (i.e., resposta emocional, cognitiva e de conduta) e de funcionalidade, percebemos que se torna numa via/”caminho” de resposta privilegiado, porque da mesma forma como existe neuroplasticidade positiva, também existe neuroplasticidade negativa. E é sobre os mesmos mecanismos neuroplásticos – LTD (depressão de longo-termo) e LTP (potenciação de longo termo) – que tanto se formam redes neuronais que apoiam a funcionalidade ajustada e adaptada como se constroem redes neuronais que suportam a funcionalidade desajustada e desadaptada, tudo depende dos estímulos externos e internos que o cérebro tem de processar, da sua intensidade e durabilidade.

Contudo, como facilmente se percebe, isto não ocorre de forma tão linear e simples, mas pensa-se que na sequência de interações múltiplas e complexas entre fatores biológicos (e.g., genéticos, epigenéticos, desequilíbrios neuroquímicos, alterações endócrinas), psicológicos (e.g., emoções, cognição, padrões de resposta comportamental, estratégias de coping) e sociais (e.g., condições de vida, vivências, relações interpessoais), vai-se saindo da tristeza saudável e caminhando para a depressão. Depressão essa que fica alicerçada em todas as modulações que foram ocorrendo ao longo do processo até existirem critérios de diagnóstico para a depressão. Assim, é correto dizermos que a depressão altera o cérebro e o seu funcionamento, mas também importa ver que para existir depressão já o funcionamento cerebral (e não só) foi sendo alterado.

As alterações cerebrais que estão associadas à depressão ocorrem em vários domínios, destacando-se as estruturais e as neuroquímicas. A nível estrutural sublinha-se a diminuição de substância cinzenta e branca (Zhang et al, 2017) refletindo-se em diminuição do volume do córtex pré-frontal dorsolateral, do córtex pré-frontal medial, do córtex orbitofrontal, do hipocampo (Kaltenboeck, & Harmer, 2018; Pandya et al., 2012; Zhang et al, 2017), do corpo estriado (Pandya et al., 2012; Zhang et al, 2017), do tálamo e do giro parietal inferior (Zhang et al, 2017). Acerca da amígdala, os resultados são heterogénios apresentando redução de volume, aumento de volume e volume inalterado, o que se pensa ter a ver com a heterogeneidade interpessoal (Roddy et al., 2021). A isto acrescem, as alterações de conectividade nestas regiões, tanto entre si como nos circuitos onde participam, em sentido negativo (Zhang et al, 2017), sendo as principais exceções a amígdala que apresenta atividade aumentada (Malhi & Mann, 2018; Roddy et al., 2021) e o córtex cingulado anterior (Malhi & Mann, 2018). A nível neuroquímico realçam-se as alterações que envolvem a diminuição dos níveis de serotonina (Brown & Linnoila cit. por Cowen, 2016), de dopamina (Dunlop & Nemeroff, 2007 cit. por Cowen, 2016), de glutamato (Yuksel, & Ongur, 2010 cit. Cowen, 2016) e de GABA (Sanacora, 2010 cit. por Cowen, 2016).

Inevitavelmente, o conjunto de todas estas alterações repercute-se no funcionamento neuropsicológico em termos cognitivos, emocionais, comportamentais e psicossociais. No que respeita ao cognitivo, destacam-se as alterações na função atencional (i.e., atenção sustentada, seletiva, alternada, focalizada e dividida); na função mnésica (i.e., memória de curto-termo e de longo-termo por evocação espontânea e por reconhecimento, nas modalidades visual e verbal), associado ao processo mnésico está a capacidade de aprendizagem de novos conteúdos e informações, capacidade esta que se vê empobrecida; o funcionamento executivo em todas as suas componentes também se apresentam diminuído (i.e., planeamento, organização, monitorização da ação, orientação para o objetivo, flexibilidade cognitiva/perseveração, inibição de comportamentos automáticos, resolução de problemas, etc.) e lentificação da velocidade de processamento de informação e da resposta psicomotora (Hammar, Ronold, & Rekkedal, 2022). Com o empobrecimento funcional destes pilares da atividade nervosa complexa não é difícil perceber que, pela influência que têm noutros processos cognitivos, outras funções cognitivas tenham igualmente um desempenho diminuído (e.g., raciocínio abstrato, raciocínio numérico, perceção, tomada de decisões, linguagem). Por sua vez, as alterações de domínio emocional, comportamental e psicossocial são marcadas por todas as alterações já referidas que impactam negativamente na regulação das emoções e nos aspetos da cognição social, e assim acrescem os sentimentos persistentes de tristeza, inutilidade, culpa, sobrecarga, sufoco, desespero, desesperança, desmotivação, incapacidade de sentir satisfação e prazer mesmo nas tarefas e atividades que antes eram agradáveis, frustração, baixa autoestima, baixa autoconfiança, autoperceção negativa, pensamentos ruminantes, interações sociais menos gratificantes e disfuncionais ou mesmo isolamento social, insónias ou hipersónia, alimentar-se de forma insuficiente (por perda de apetite) ou de forma exagerada (por excesso de apetite), tentativas de suicídio, dificuldades e mesmo impossibilidade de trabalhar, de realizar as atividades de vida diária, entre várias outras.

Acerca das intervenções terapêuticas existentes realçam-se as intervenções farmacológicas (i.e., medicamentos) e as intervenções não farmacológicas (i.e., psicoterapia, reabilitação cognitiva e neuromodulação (e.g., estimulação magnética transcraniana)).

Espero que tenha sido um tema do seu interesse e que de alguma forma lhe possa ser útil.