Danos Psicológicos em Vítimas de Abuso Sexual

De acordo com a Associação de Apoio à Vítima (APAV), o abuso sexual consiste em qualquer ato sexual ou tentativa do mesmo que seja indesejado e não consentido pela vítima e tem um impacto transversal, podendo afetar todas as áreas da vida da vítima, mas também os seus familiares e grupo de pares.
No que diz respeito ao seu impacto psicológico, este varia de pessoa para pessoa consoante diversos fatores, nomeadamente os que se associam ao episódio (por exemplo duração e severidade do abuso e relação com o agressor), assim como a fatores protetores e de risco da própria vítima (são exemplos o apoio e suporte familiar e o isolamento, respetivamente).
Apesar destas divergências, vários autores têm vindo a estudar o tipo de impacto deste evento traumático em diferentes grupos de vítimas. Nas próximas secções ficamos a conhecer o resultado destes estudos nas vítimas mulheres, homens, crianças, idosos e portadores de deficiência mental.

Mulheres
O impacto psicológico nas mulheres vítimas de abuso sexual inicia logo após o episódio de abuso e implica sentimento de desamparo, medo, choque e aumento dos níveis de angústia (Astbury, 2006).
A longo prazo, os problemas psicológicos devido à vitimação de tipo sexual podem agravar, levando ao desenvolvimento de perturbações psicológicas. Os estudos revelam que os problemas mais comuns estão associados a perturbação de stress pós traumático, problemas de depressão, ansiedade, e problemas sexuais, na regulação do humor e ao nível da alimentação. O aumento do consumo de álcool e drogas, assim como a redução da qualidade de vida e da perceção de satisfação com a vida, com o corpo, com a vida sexual e os relacionamentos interpessoais também se revelou estar associado à vitimação por abuso sexual. Em alguns casos revelaram-se também sintomas de psicose (por exemplo o aumento da ideação paranóide e alucinações; Kilcommons, Morrison, Knight & Lobban, 2008).
Homens
Como impacto psicológico imediato, os homens vítimas de abuso sexual tendem a sentir culpa, raiva, choque, medo e vergonha (APAV, 2001).
A médio e longo prazo o impacto psicológico passa por sintomas de ansiedade e depressão, problemas de sono, sociais (por exemplo isolamento) e sexuais (disfunções ou comportamento sexual inadequado), assim como baixa autoestima e confusão em relação à orientação sexual (Chapleau, Oswald & Russell, 2008). O aparecimento de dificuldades a nível relacional também é comum após o abuso sexual, nomeadamente dificuldades em estabelecer relações íntimas e saudáveis com os outros, ou dificuldades em respeitar limites impostos por outras pessoas (APAV, 2001). Também foram reportados dados condizentes com a associação do abuso sexual em homens e a perturbação de stress pós traumático (kelley, Weathers, McDevitt-Murphy, Eakin & Flood, 2009).
Os mitos e crenças sobre o abuso sexual perpetrado em homens pode ser um fator de risco com bastante impacto no agravamento dos sintomas negativos, dificultando o sucesso do processo terapêutico (Hohendorff, Habigzang & Koller, 2017). A vergonha e o isolamento (que são agravados por estes mitos e crenças) levam a que muitos homens relatem que, para eles, a vida parece que já não tem solução (Easton, Saltzman & Willis, D, 2014).
Crianças
A maioria do abusos sexuais acontece em crianças e jovens (Ferreira & Nantes, 2017), sendo que com a recente situação pandémica e consequente confinamento que gerou o encerramento de todas as escolas e outros espaços, as crianças e jovens tornaram-se mais vulneráveis ao abuso sexual, tornando-se cada vez mais importante compreender o impacto do mesmo neste grupo de vítimas.
Ao longo do desenvolvimento, as crianças e jovens vão reagindo de forma diferente ao abuso sexual, ainda que existam sintomas comuns a todas as faixas etárias. Na infância, o impacto psicológico revela-se através de problemas somáticos (são exemplos a enurese, encoprese, dores de cabeça e de estômago), atrasos no desenvolvimento, questões internalizantes tais como a ansiedade e o aumento da introversão, perturbação de stress pós traumático e comportamentos sexualizados (Mellon, Whiteside & Friedrich, 2006).
Nas crianças em idade escolar e na adolescência, para além dos problemas descritos anteriormente (Muela, Balluerka & Torres, 2013; Noll, Trickett, Susman & Putnam, 2006), podem surgir problemas externalizantes como a agressividade e problemas de comportamento, podendo dificultar a relação entre pares e baixo rendimento escolar (Muela, Balluerka & Torres, 2013; Noll, Trickett, Susman & Putnam, 2006; Trickett, Noll, Susman, Shenk & Putnam, 2010). Nos adolescentes são também comuns sintomas de problemas alimentares, comportamentos desviantes, consumo de substâncias, comportamentos autolesivos, ideação suicida e comportamentos sexuais precoces e de risco (Feiring, Miller-Johnson & Cleland, 2007).
O abuso sexual em crianças e jovens comporta um fator de risco para a revitimização deste tipo de abuso em idade adulta (Muela, Balluerka & Torres, 2013).
Idosos
Apesar dos escassos estudos com amostras representativas de ambos os sexos, o impacto do abuso sexual aparenta ser semelhante para ambos. Os principais sintomas revelados têm que ver com problemas de sono, depressão, ansiedade, baixa autoestima e medo de sair de casa (Jeary, 2005). São também comuns sintomas correspondentes à perturbação de stress pós traumático e comportamentos intrusivos e de evitamento (Burgess & Clements, 2008).
Os idosos podem experiênciar um impacto psicológico negativo mais severo relativamente a outros tipos de vítimas devido a fatores de risco comuns a este grupo como são exemplos algumas dificuldades cognitivas, outros problemas de saúde (e respetiva medicação) ou problemas psicossociais (por exemplo isolamento e a dependência de terceiros; Bows, 2017).
Portadores de Deficiência Mental
As pessoas portadoras de deficiência mental têm maior prevalência de vitimação do que pessoas que não possuem esta condição, no entanto o seu impacto psicológico carece ainda de investigação (Byrne, 2017).
De entre os estudos existentes, percebe-se que o impacto psicológico do abuso sexual nos portadores de deficiência mental é semelhante à população geral, sobressaindo sintomas correspondentes ao trauma, como é exemplo a depressão (Byrne, 2017).
Este tipo de vítimas apresenta um aumento da frequência e intensidade de stress, revelando-se em sintomas emocionais, fisiológicos, comportamentais e psicológicos (Khalifeh, Oram, Osborn, Howard & Johnson, 2016).
Resumo e estratégias/importância do acompanhamento psicológico
Embora o impacto psicológico do abuso sexual varie entre individuos, e apesar das diferenças encontradas entre os tipos de vitimas abordados neste artigo, é possível concluir que existem dificuldades comuns a todos: os problemas mais comuns e transversais ao género e idade relacionam-se com sintomatologia depressiva e ansiosa e stress pós traumático.
O papel da sociedade como mitigador dos mitos e crenças associados ao abuso sexual (por exemplo, comum culpabilização da vítima ou afirmação da existência do abuso apenas quando existe violência física) leva a que muitos casos deste tipo de abuso não sejam reportados por medo, culpa, vergonha ou por não ser percecionado como tal por parte da vítima, levando também à ausência de suporte ou procura de ajuda profissional (Chapleau, Oswald & Russell, 2008). É ainda importante ter em conta o papel da vitimização secundária isto é, a ausência de suporte por parte dos sistemas legais e de saúde assim como da família e amigos, que se revela um fator de risco bastante preponderante no surgimento ou intensificação dos sintomas.
Assim como existem estes fatores que se revelam um risco para o impacto psicológico negativo do abuso sexual nas suas vítimas, existem também outros fatores que podem contribuir para apaziguar os sintomas. Estes dizem respeito a fatores como o retomar as atividades normais da rotina da vítima, a existência de suporte social e o acompanhamento profissional, sendo que os dois últimos são cruciais na prevenção do surgimento ou agravamento de sintomatologia ou mesmo de perturbações psicológicas. Quanto mais cedo o acompanhamento iniciar, melhor será o prognóstico de recuperação psicológica da vítima. O acompanhamento psicológico tem-se revelado importante não só para a vítima mas também para os seus familiares próximos que acabam por sofrer de forma indireta com o abuso sexual, principalmente quando se trata de abuso de crianças e jovens pois ajuda a preparar a família não só para a situação em sim, mas também para fornecer um suporte adequado à vítima (Ferreira & Nantes, 2017).

Referências
Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, APAV (2001). Manual Core – apoio a crianças e jovens vítimas de violência sexual. Disponível em: https://www.apav.pt/publiproj/images/yootheme/PDF/ManualCare.pdf
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