Memória: os esquecimentos refletem sempre alterações de memória?

Memória: os esquecimentos refletem sempre alterações de memória?

É verdade que durante largas décadas, por via dos estudos realizados com vista ao entendimento da memória, o esquecimento foi encarado como uma falha de memória. E ainda hoje, em muitos lugares, inclusive em contexto académico, assim é apresentado. No entanto, hoje, sabemos que a capacidade de esquecer informação é tão importante para o funcionamento da memória (e do cérebro) como a capacidade de adquirir e de consolidar informação.

Desta forma, o esquecimento, enquanto tal, não é produto de um erro que acontece nem de um problema que existe ou que esteja a existir, ele é parte integrante da dinâmica de funcionamento do processo mnésico e de fatores que envolvem o processo cognitivo, que agem de forma influente sobre o processo mnésico.

Naturalmente que existem processos e mecanismos que explicam e sustentam o esquecimento como parte de um “todo mnésico”, sendo exemplo disso, a possibilidade de o cérebro usar um processo como a potenciação de longo termo (LTP) para armazenar novas informações enquanto, simultaneamente, “abre”/”liberta” espaço usando um processo como a depressão de longo termo (LTD) para remover memórias antigas ou irrelevantes (Rosenzweig, 2002 cit. por Davis e Zhong, 2017). O que nos permite olhar para o esquecimento como um mecanismo homeostático (Davis e Zhong, 2017).

Existem vários outros processos, caracterizados como passivos ou ativos, que procuram explicar o esquecimento. Todavia, aqui não se pretende desembrulhar teorias nem percorrer os emaranhados novelares de argumentos e contra-argumentos, apenas trazer à superfície o aspeto “normativo” e necessário do esquecimento enquanto elemento do processo mnésico saudável. Sendo este crucial na nossa capacidade de adaptação ao meio (Davis e Zhong, 2017; Gravitz, 2019).

Atribuindo a isto uma configuração clínica, os esquecimentos enquadram-se no âmbito do saudável sempre que ocorrem na proporção do que é expectável, face à idade da pessoa. Até porque, se formos atentos, apesar de esta ser uma preocupação que se acentua com o avançar da idade, pelo risco que lhe está associado, ao longo das diferentes fases do ciclo de vida, nós vamos vivenciando a experiência de nos termos esquecido de algo.

Assim sendo, respondendo à questão inicial, nem sempre os esquecimentos representam alterações de memória (independentemente da idade).

Referências:
Davis, R., e Zhong, Y. (2017) The biology for forgetting – A perspective. Neuron 95(2): 490-503.
Gravitz, L. (2019) Memory: The importance of forgetting. Nature, 571(25): 12-14.

Dra. Dulcineia Boto, Cédula Profissional nr. 14875